Direito Imobiliário

CONTRATOS DE LOCAÇÃO NO PÓS PANDEMIA.

Todos foram tomados por muitas incertezas nos últimos dois anos. Muitos aspectos em nossa vida foram afetados: limitação de locomoção, utilização de máscaras, incertezas econômicas, perdas de entes queridos, insegurança financeira.

Neste período, em especial pelo reflexo da necessidade de isolamento social, muitas pessoas sofreram significativa redução na renda mensal e, consequentemente, enfrentaram problemas para arcar com as despesas cotidianas, inclusive com os custos com moradia.

Mas, após 2 anos, parece que temos os primeiros indícios de que a pandemia decorrente da COVID-19 está se aproximando ao fim e nossa vida poderá retornar à normalidade. Ou à nova normalidade.

A pandemia não foi apenas um evento que ninguém poderia prever, mas também com efeitos inevitáveis, tendo afetado variadas relações contratuais, inclusive os contratos de locação imobiliários.

Abaixo, listamos os principais temas que a pandemia afetou no âmbito dos Contratos de Locação e algumas soluções para te ajudar:

1- É aplicável o Reajuste do aluguel anual?

Um dos principais questionamentos neste período foi em relação ao reajuste do aluguel.

A Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) estabelece, nos artigos 18 e 19, que o reajuste ocorrerá anualmente, sendo que a determinação do índice de revisão aplicável pode ser livremente convencionada entre as partes.

O IGP-M da FGV é o índice mais comumente adotado nos contratos de locação, mas não é uma regra absoluta. O índice deve ser negociado entre as partes, com a função de recompor o valor da moeda, sobretudo diante da inflação, de modo que não pode ser entendido como meio de rentabilidade extra. Isto quer dizer que o reajuste não pode servir para enriquecer quaisquer das partes.

O Código Civil possui previsões para lidar com eventos supervenientes, extraordinários, imprevisíveis e com consequências incontroláveis sobre os contratos privados, como a pandemia da COVID-19.

Em regra geral, o artigo 393 do Código Civil determina que a parte devedora “não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior”, caso não tenha expressamente se responsabilizado por estes eventos.

Ainda que haja grande ênfase nos fundamentos da liberdade de contratar e da autonomia privada das partes em decidirem as próprias consequências contratuais acerca do índice de correção que considerem mais corretos, isto não implica em dizer que os contratos podem se tornar abusivos ou excessivamente onerosos, razão pela qual, em situações peculiares, podem ser revistos e reajustados, independentemente do que foi acordado.

O primeiro passo para qualquer dos contratantes é verificar qual o índice que está sendo estipulado no contrato e qual a periodicidade do reajuste.

Em seguida, analisar e comparar os percentuais de outros reajustes, para saber se o valor vai ou não gerar um desequilíbrio na relação contratual, e se reflete a real situação econômica.

Para você entender melhor, pense em um aluguel residencial no valor inicial de R$ 1.000,00. O acumulado do IGP-M foi, em Março de 2022, de 16,12%. Portanto, o novo valor de aluguel seria de R$ 1.161,22. Já o IPCA, índice também muito utilizado para reajuste de aluguel, foi de R$ 10,54%, com base em Março de 2022, passando o aluguel a ser R$ 1.105,44.

No exemplo dado, houve uma variação de R$ 55,78 entre os índices avaliados.

Hoje, pode parecer que a diferença não é tão alta, mas em Março de 2021, o IGP-M foi de 29,94% enquanto que o IPCA foi de 5,20%. A diferença é substancial considerando o valor do aluguel, sobretudo na pandemia, com o aumento das instabilidades econômicas, do desemprego e dos preços dos produtos básicos de consumo para subsistência.

Constatando ser o reajuste fora da realidade, as partes poderão negociar. E aqui, fica a cargo das partes quais serão os termos da negociação: pode-se optar por outro índice, um valor intermediário entre o valor atualmente pago e o valor reajustado, ou até mesmo pela isenção do reajuste no período, por exemplo.

Vale a pena ser franco: expor toda a situação e buscar uma negociação que equilibre mais o contrato. Afinal, todos são afetados pela pandemia, locador e locatário.

Assim como o locatário não deseja perder o imóvel que mora, sem ter para onde ir, para o locador, também não é interessante ver uma fonte de renda se acabar na noite para o dia.

Por isso, a negociação entre as partes sempre é um bom início.

Agora, se não houver possibilidade de negociação, mostrando-se o locador irredutível quanto a alteração do aluguel, o locatário poderá, ainda, recorrer ao judicial para manter o aluguel sem reajuste ou, quem sabe, até solicitar a redução do valor.

As decisões tidas até o momento mostram-se favoráveis àqueles que recorreram ao judiciário. Algumas decisões preveem, inclusive, que a substituição do índice a ser aplicado para reajuste, ou a isenção do reajuste, é provisória, em decorrência do estado de calamidade pública.

Lembre-se: os contratos servem para dar segurança e estabilidade. Para isso, muitas vezes, os contratos podem e devem ser revistos, se a situação concreta assim o permitir.

2- Posso deixar de pagar algumas parcelas do aluguel?

Também verificamos um aumento no questionamento na possibilidade de suspensão no pagamento das parcelas do aluguel, fundamentadas na pandemia.

Da mesma forma que os itens anteriores, a legislação não determina especificamente o que deverá ser feito. Portanto, a tentativa de negociação entre as partes é a melhor saída.

Uma opção aqui seria uma suspensão parcial do pagamento ou a diluição do valor não pago em parcelas futuras do aluguel.

Mas nada pode ser feito pelo locatário sem acordar antes com o locador.

Se houver a suspensão do pagamento do aluguel sem qualquer acordo prévio, serão aplicadas as regras gerais descritas no contrato para o atraso no pagamento. Comumente, aplica-se multa, juros e correção monetário.

Pode, ainda, o locador ingressar com ação de despejo para reaver o imóvel em que as parcelas do aluguel estão em atraso.

3- E se eu precisar devolver o imóvel antes do prazo?

Quando do início da locação, as partes fixam um prazo inicial para a vigência do contrato. Ela pode variar de acordo com o interesse das partes, mas é comum ver contratos de 12, 24, 30 ou 36 meses.

A Lei de Locações determina que o locador não pode solicitar a rescisão antecipada do contrato. Isso porque a função social principal do contrato de locação é pelo direito de moradia e que o locatário muito se prejudicaria com a rescisão abrupta do contrato.

O mesmo ordenamento jurídico determina que, caso o locatário opte pela rescisão antecipada, este deverá arcar com o valor da multa estabelecida no contrato de locação, e esta será calculada proporcionalmente ao tempo restante do contrato.

Por isso, é importante recorrer ao contrato de locação para verificar as regras específicas da locação: prazo inicial e término, valor da multa, possibilidade de isenção da multa mediante aviso prévio de 30 dias, por exemplo.

A lei estipula as regras gerais, mas pode o contrato prever regras específicas à relação contratual e que precisam ser verificadas no momento da rescisão.

Agora, o que mudou com a pandemia?

A princípio, não houve nenhuma alteração na aplicação das normas de locação. O que existe é a flexibilização facultativa.

Isso significa que a legislação continua a mesma e as medidas que antes da pandemia eram válidas, continuam valendo. Assim, se o locatário opta pela rescisão antes do prazo e estava estabelecida em contrato uma multa, ela pode ser aplicada, sempre respeitando os limites determinados em lei.

O que pode acontecer é, em alguns casos, a flexibilização por parte do proprietário. Isso depende do interesse do locador de abrir mão da multa da rescisão do contrato antecipada ou aceitar recebê-la de forma parcelada, por exemplo.

A maioria das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo está observando, de forma resumida, duas questões essenciais para aceitar as ações:

Caso estes requisitos não se verifiquem, tem prevalecido o entendimento de que não há motivos para interferir na autonomia das partes e suspender o pagamento dos aluguéis.

4- O que decidem os Tribunais?

Muito aqui se falou de acordo entre as partes como a melhor alternativa para a solução de conflitos durante a relação contratual de locação. Mas e se um acordo não for possível? A quem deverá a parte prejudicada recorrer?

É sempre bom conversar com um advogado de sua confiança, para saber dos seus direitos, interpretar o contrato de locação vigente e se está de acordo com a legislação vigente.

Quanto ao tema, os Tribunais, assim como quem cria as leis, tiveram uma abordagem cautelosa ao tratarem do tema. Não há dúvidas de que a pandemia é qualificada como evento de força maior – uma vez que se enquadra na própria definição descrita na lei e que já citamos anteriormente.

No entanto, as decisões que tivemos até hoje mostram é que tal evento de força maior afeta ambas as partes indistintamente. Portanto, a revisão ou mesmo a rescisão antecipada de um contrato, sem a devida aplicabilidade de sanções contratuais, deve ser baseada no real impacto provocado pela pandemia sobre a capacidade econômico-financeira das partes.

Isso quer dizer que os Tribunais analisam muito o caso concreto: quais foram os danos sofridos? Quais efeitos? Quem teve um maior dano na situação toda?

Neste contexto, o que se percebe dos julgados é que a proatividade das partes em negociar e adotar as medidas para mitigar os prejuízos decorrentes da pandemia antes de levar a questão aos Tribunais está sendo considerada vital para determinar as chances de êxito dessas ações.

Além disso, os Tribunais têm flexibilizado o cumprimento das obrigações, mas visando a um razoável equilíbrio nas relações e mediante demonstração do real impacto causado pela pandemia na esfera econômico-financeira da parte requerente e das tentativas de solução amigável da controvérsia.

5- Qual a melhor atitude a se tomar?

Como dissemos acima, a pandemia fez a sociedade encarar situações novas e as relações contratuais de locação não foram diferentes.

Por isso, a conversa e a negociação são as melhores saídas na relação contratual de locação.

É importante ambas as partes entenderem que está difícil para todo mundo, todos foram afetados e, para se manter o relacionamento contratual, ambas as partes terão que fazer concessões.

Ainda assim, sempre consulte seu advogado de confiança para verificar que as exigências ou propostas são legais e, se necessário, ingressão com o devido processo legal.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Artigos relacionados