Cada peça, cada lado, cada cor, quando orientados, se completam e formam um todo que faz sentido.

Olhando as peças amontoadas do quebra-cabeça, podemos não saber por onde começar… Assim, são os problemas que, muitas vezes, enfrentamos nas empresas.

Tirar as regras do papel e influenciar a cultura da organização em direção à uma cultura de integridade é um desafio e tanto. No entanto, esse desafio não precisa ser encarado como algo burocrático, caro e impossível de atingir.

Para isso existe o Programa de Integridade, também conhecido como Programa de Compliance, que consiste no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo a denúncias de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de conduta, políticas e diretrizes.

O objetivo é detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos e agir de forma preventiva.

Mas você pode pensar: na minha empresa não existem fraudes nem desvios, imagina se teria algum ato ilícito?!

Então, vamos pensar juntos!

Já aconteceu de algum funcionário pedir que a carteira de trabalho não fosse assinada na data em que começou a trabalhar apenas para receber a última parcela do seguro-desemprego e a empresa “aceitou”? Já descumpriu algum contrato com algum parceiro de negócio? Já descobriu que a empresa prestadora de serviços não faz o recolhimento correto do FGTS dos seus empregados terceirizados? Já realizou alguma rescisão de contrato de trabalho de forma equivocada?

São muitas situações que acontecem no dia a dia das empresas e, aparentemente, parte delas está fora do controle da alta administração, mas será ela quem terá que resolver o problema quando ele estourar.

Agir com integridade é agir dentro das leis, pautando suas atividades por valores e princípios éticos, buscando sempre a honestidade.

Não é bom fazer negócio com quem é íntegro, honesto e que podemos confiar na palavra?

É isso! O programa de integridade existe para te ajudar a tornar seu negócio rentável, mas de forma ética!

  1. Para quem é o Programa de Integridade?

Você pode ser preguntar: esse programa é só para grandes empresas? Não! Ele também pode ser implementado numa micro, pequena ou média empresa.

É bom lembrar que é dever de cada cidadão, empresa ou instituição, pautar sua atuação na ética e na integridade. Assim, combater e prevenir a ocorrência de irregularidade não depende do faturamento ou do número de funcionários, mas sim da vontade e do interesse dos envolvidos.

Assim como não existem empresas iguais, não existem programas de integridade iguais, de modo que não existe receita de bolo que deve ser seguido para sua implementação.

Para tanto, devem ser observadas as características da empresa, sua missão, seus valores e princípios, sua visão, os riscos que ela corre, o nicho de mercado, entre outras características que pautarão o desenvolvimento do programa para atender as necessidades da empresa.

Importante mencionar que o ideal é a implantação de todas as ferramentas e mecanismos do Programa de Compliance e a meta é que sejam todos efetivos, mas nem sempre a empresa está madura o suficiente.

Assim, considerando a maturidade da empresa, já que estamos tratando, principalmente, de uma mudança de cultura e essa mudança se realiza de forma gradual, a implantação dos mecanismos e ferramentas pode ser de forma também gradual e escalonada, ajustada às necessidades mais prementes da empresa após a realização de uma análise de riscos.

A análise de riscos é um dos primeiros passos para verificar a situação real da empresa pois pode descortinar situações de grande risco que não foram anteriormente percebidas.

Agora que você entendeu o que é o programa de integridade, que ele pode ser implantado nas empresas de qualquer porte e que pode ser de forma gradual, tenho certeza de que você deve estar pensando nos benefícios que isso gerará para sua empresa.

Vamos lá?

  1. Quais os benefícios para a empresa?

Existem inúmeros benefícios, mas escolhemos os sete a seguir por serem mais :

  • Redação de litígios

Com a adoção das ferramentas e dos mecanismos previstos no programa, ocorrerá uma diminuição considerável de litígios pois, direcionando o foco de seus esforços numa atuação reta, dentro dos limites legais, a tendência é de detectar irregularidades, preveni-las e remediar o que já foi identificado. Agindo de forma preventiva, os litígios diminuem.

  • Redução dos riscos

O mesmo acontece com relação aos riscos que a organização está exposta.

Algumas perguntas que devemos fazer são: em quais aspectos minha empresa está vulnerável e precisa se proteger? A minha empresa tem conhecimento de toda a legislação que deve observar e sabe como aplicá-la corretamente? Nós sabemos tomar decisões baseadas na gestão de riscos?

O programa nos dá mecanismos e procedimentos de identificação, mitigação e remediação de riscos, incluindo de violações legais. Assim será possível fazer uma gestão dos riscos por meio de um mapeamento dos processos organizacionais de forma a identificar fragilidades que possibilitem a ocorrência de irregularidades, fraudes e até atos de corrupção e com base nela aperfeiçoar o processo de tomada de decisão, aprimorar os controles internos, subsidiar o planejamento estratégico da empresa, entre outros.

  • Reconhecimento de irregularidades cometidas por outras pessoas

Quando começamos a identificar as irregularidades que podem existir na nossa organização, começamos a nos conscientizar e começamos a observar e reconhecer as irregularidades que podem estar sendo cometidas pelos meus concorrentes, parceiros, fornecedores, clientes.

Essa identificação é relevante pois é prejudicial para a organização relacionar-se com pessoas ou organizações que podem estar infringindo a lei. Inclusive pode sair bem caro. Imagine um caso de terceirização cuja empresa contratada esteja violando as leis trabalhistas com a existência de trabalho análogo ao de escravo? Certamente, você não vai querer ver sua empresa envolvida com esse tipo de problema.

  • Benefício reputacional

Na esteira da conscientização, da busca de efetividade, da prevenção, mitigação e remediação de ilícitos, há um benefício reputacional importante para a organização.

O CADE assim detalha esse benefício:

“Ações afirmativas de incentivo à conformidade com a lei são parte essencial de uma cultura de ética nos negócios, que resulta em benefícios para a reputação da organização e sua atratividade para fins promocionais, de recrutamento e de retenção de colaboradores. Essas ações tendem a aumentar a satisfação e o comprometimento no trabalho e o senso de pertencimento e identificação com o grupo. O comprometimento com a observância das leis também inspira confiança em investidores, parceiros comerciais, clientes e consumidores que valorizam organizações que operam de forma ética e que se sentiriam enganados em caso de infração.

Violações à lei geram questionamentos sobre a ética e o modelo de negócios da entidade envolvida. O possível impacto econômico decorrente do dano à reputação – potencializado pela cobertura da mídia – pode ser ainda maior do que o resultante da pena pela infração, por levar a perdas não só financeiras, mas também de oportunidades de negócios. Organizações que têm programas de compliance instalados são cada dia mais atraentes como parceiros de negócios e como boas instituições para se trabalhar.”[1]

A boa reputação repercute em todas as áreas da empresa, inclusive fora dela, gerando oportunidades de negócios que talvez ainda não tenham sido pensadas.

  • Engajamento e comprometimento dos funcionários

É muito importante que os funcionários saibam qual a regra do jogo ditada não só pelas leis, mas pela ética, pelos princípios e valores que a alta administração reputam inegociáveis. Esse conhecimento faz com que se tenha funcionários mais conscientes e alinhados com o escopo geral da organização, pois sabem o que podem fazer e o fazem com segurança.

Além disso, se os funcionários sabem qual é a razão de existir da empresa, qual seu objetivo e por quais meios pode trilhar, o funcionário se identifica mais facilmente com as diretrizes e tende a “vestir a camisa” da empresa.

Você sabia que 62% dos empregados no Brasil não são engajados no seu trabalho[2]? Eles dedicam tempo, mas não energia, ou seja, ainda há espaço para melhoria em engajamento.

Precisamos lembrar que o capital mais valioso da empresa é o humano.

Empresas são feitas por pessoas, para atender as necessidades das pessoas.

É preciso, então, voltar os olhos para o capital humano especialmente porque o século XXI trouxe uma mudança de paradigma de como se gerencia. Agora o valor da empresa está diretamente relacionado com a necessidade dos clientes e o capital intelectual, ou seja, a inteligência dos colaboradores. Assim, se estes estiverem comprometidos e engajados, a empresa será a primeira a se beneficiar.

Assim, se existem formas de melhorar o engajamento dos funcionários, aumentar confiança dos parceiros, investidores e consumidores, investir em ferramentas de gestão que ajudarão de forma estratégica a melhorar o desempenho da empresa é, definitivamente, uma decisão sábia e inteligente.

  • Redução de custos e de contingências

Também podemos verificar uma redução de custos e de contingências relevante. Esses custos estão relacionados com despesas processuais, administrativas, publicidade negativa, inexequibilidade contratual, falta de acesso a contratações públicas, indenizações, perda de clientes, e vários outros custos, cujos valores poderiam ser alocados de forma estratégica na própria organização para alavancar os negócios.

  • Programa será levado em consideração nas aplicações de sanções

Por fim, mas sem esgotar a lista de benefícios, o programa de integridade será levado em consideração na aplicação de sanções em razão do cometimento de ilícitos. Tal previsão está expressa na Lei nº 12.849/13, conhecida como lei anticorrupção, mas, em diversos ramos do direito como o Direito do Trabalho, quando o judiciário se depara com um programa de integridade efetivo, há tendência de diminuição das penalidades.

São muitos os benefícios que podemos verificar nas organizações que tem um programa de integridade que realmente funcione e que não seja “apenas para inglês ver”.

Ótimo! Adorei a ideia!

  1. Por onde devo começar na minha empresa?

Se você já pensou assim, está no caminho correto!

Existe um ditado muito conhecido que diz o seguinte: a palavra convence e os exemplos arrastam.

Se os sócios, a alta administração e a gerência buscam uma atuação ética da empresa, os funcionários e as demais pessoas que se relacionam que ela irão entender que a empresa é cumpridora dos deveres legais e socioambientais e, que se quiserem manter um relacionamento, é preciso também compartilhar desse entendimento.

Então, para que a conscientização e a mudança de cultura aconteçam, é preciso existir o suporte da alta administração que engloba, além do bom exemplo de condutas éticas, a demonstração de seu comprometimento com o programa de integridade, incorporando o assunto em seus discursos e verificando a efetividade das ações de integridade de forma frequente nas reuniões e encontros, de modo que todos da empresa tenham não só conhecimento da existência desse programa, mas que eles se sintam envolvidos e integrados como peça chave para que o programa funcione de maneira efetiva e beneficie todos que ali estão e aqueles que com a empresa se relacionem.

Outro ponto importante é a destinação de recursos adequados para a implementação do programa de integridade. E quando se fala em recursos não estamos falando apenas de recursos financeiros, mas também recursos humanos e materiais que devem ser aplicados na implementação de ações necessárias para o correto funcionamento do programa, tais como treinamentos, auditorias, gestão de riscos, comunicação, cumprimento do código de conduta e regulamentos internos.

O exemplo vem de cima. A mudança vem de cima. Deve vir. Caso contrário, agentes externos irão provocar essa mudança que, além de não ser bem-vinda (pela alta gestão), custará muito para a empresa, em especial danos financeiros e reputacionais difíceis de serem recuperados.

Os gestores devem encarar o programa de integridade não como uma obrigação de estar em compliance, mas sim como uma estratégia de gestão que irá auxiliar a empresa a operar de forma ética, respeitando as leis, sem deixar de ser rentável.

Nessa linha de pensamento, ser compliant[3] é um posicionamento inteligente da organização empresarial, de qualquer tamanho, que demonstra coerência entre o discurso e a ação, que cumpre consciente e deliberadamente a legislação e as normas internas, sempre guiada pelos princípios e valores que compõem a sua identidade, buscando sua longevidade no mercado.

Desta forma, ser compliant deve ser uma meta! A nossa meta juntos!

 

[1] Programas de Compliance (cade.gov.br) acesso em 04/10/2021.

[2] Fonte: Crescimento brasileiro poderia ter um empurrãozinho (gallup.com) com acesso em 11/10/2021.

[3] Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Compliance à luz da governança corporativa / Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. São Paulo, SP: IBGC, 2017. (Série: IBGC Orienta). 56 p.

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