Quer você tenha muito patrimônio ou poucos bens, sempre fica aquele receio de que quando virmos a falecer, nossos herdeiros discutam, briguem e, até mesmo, deixem de se relacionar por causa da herança e a forma com que ela será dividida.
Acredito que nenhuma pessoa deseja que seus entes queridos tenham desavenças por causa do patrimônio deixada com a sua partida.
De fato, a preocupação tem motivo, uma vez que não é incomum ouvir em nossas conversas informais que herdeiros estão brigando pela herança ou que um terreno está “parado” por causa de inventário ou disputa entre herdeiros.
Muitos podem ser os motivos destas desavenças, entre os mais comuns é quando um dos herdeiros despende mais tempo cuidando do autor da herança e suas necessidades ao longo da vida e, principalmente, no final da vida, e se sente no direito de receber a mais por isso.
Tudo isso é catastrófico e não desejável por ninguém. Então, como evitar tal infortúnio?
Já ouviu falar em Planejamento Sucessório? ou Antecipação de herança? Ou partilha em vida? Esse será o assunto deste artigo. Lembro, porém, que os assuntos no direito de família e sucessões possuem muitas variantes, exceções e uma infinidade de trajetórias que seria impossível contemplar todas os formatos de família e possíveis cenários para a divisão de bens na herança.
Afirmar que este artigo supriria todas as dúvidas é insanidade, mas acredito que com os princípios colocados aqui, muitas questões podem ser esclarecidas. Assim, o mais importe nestes casos delicados é que você consulte o seu advogado de confiança, não aquele que você pesquisou no google, mas um profissional de extrema confiança, uma vez que estamos falando de todos os seus bens, que demoraram, literalmente, uma vida toda para conquistar, e outro bem que está acima de qualquer valor monetário: sua família!
Vamos lá?!
- O QUE É HERANÇA?
Para iniciar nossa conversa devemos primeiro definir o que é herança e quem são os possíveis herdeiros de um patrimônio.
Herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações, que a pessoa falecida deixa aos seus sucessores (também chamados de herdeiros). Entende-se a herança como um todo, mesmo que sejam vários os bens e herdeiros. Vale lembrar que até que se faça a partilha dos bens, nenhum herdeiro possui posse exclusiva dos bens herdados, isto é chamado condomínio de bens. Sendo assim a herança não pode ser dividida, e até o momento da partilha o conjunto de bens será de todos os herdeiros.
Mas cabe um alerta, nem todos os bens do falecido fazem parte da herança. Isso porque se a pessoa era casada tem-se que relevar o patrimônio que é do cônjuge também. Vou explicar.
Vamos tomar como exemplo um casal que era casado pelo regime da comunhão parcial de bens (regime legal adotado no Brasil – a maioria das uniões estão disciplinas desta forma) e durante o seu casamento adquiriram uma casa, carro e reuniram uma reserva financeira em aplicações. Tendo em vista que todos os bens deixados pelo falecido foram adquiridos enquanto era casado e seu regime de bens estabelece que “tudo o que for adquirido durante a constância do casamento é dividido igualmente” a herança deixada é apenas a metade dos bens descritos acima.
Isso porque existe o instituto da meação, ou seja, metade daquele patrimônio pertence ao cônjuge do falecido e não entra na herança.
Assim, o que os herdeiros irão dividir é metade da casa, metade do carro e metade das aplicações financeiras. A outra metade já pertence ao cônjuge do falecido, desde a aquisição.
Feita esta distinção, vale lembrar que nos demais regime de bens (comunhão universal, separação total ou obrigatória e participação final dos aquestos) pode haver mudanças nestas regras a depender do regime escolhido, qual bem e o tempo de sua aquisição.
- É possível herdar dívidas?
Esta é uma pergunta muito recorrente. E a resposta, para alegria de muitas pessoas, é não! Ninguém herda dívidas, ou seja, ninguém é responsável por pagar as dívidas da pessoa falecida com o seu próprio patrimônio.
Repare na resposta, “seu próprio patrimônio”. Isto não significa dizer que as dívidas do falecido deixarão de ser pagas. Mas sim que o patrimônio deixado por ele deverá arcar com estas dívidas.
Melhor explicando, a dívida é herdada no limite do patrimônio da herança. O herdeiro nunca precisará quitar as contas do falecido com seus bens pessoais. Caso a dívida exceda o valor do patrimônio, a parte restante não será paga e nem poderá ser cobrada do herdeiro.
Ufa, né?! Seria muito trágico perder um ente querido e ainda ser responsabilizado pelas obrigações e tomadas de decisões por ele, principalmente quando não participou delas. Vamos dar dois exemplos para que possamos entender:
Exemplo 1: A pessoa falecida deixou uma casa de R$ 500.000,00 como herança, porém uma dívida com um terceiro de R$ 200.000,00. Quando for realizado o inventário, o credor daquela dívida poderá habilitar seu crédito nele e receber o seu valor. Assim, ou os herdeiros vendem a casa, pagam a dívida e dividem o restante. Ou pagam o credor e ficam com a casa.
Exemplo 2: A pessoa falecida deixou aplicações financeiras de R$ 500.000,00 como herança, porém uma dívida com um terceiro de R$ 600.000,00. Quando for realizado o inventário, o credor daquela dívida poderá habilitar seu crédito nele e receber parte de seu valor. Assim, os herdeiros não receberão nada e o credor deixará de receber R$ 100.000,00, não passando o saldo remanescente para os herdeiros.
Concluindo, ninguém herda dívida!
- QUEM SÃO OS HERDEIROS?
Agora temos que entender quem são os herdeiros de uma herança. O Código Civil estabelece duas classes de herdeiros: necessários e facultativos. Os herdeiros necessários são:
- Descendentes: filhos, netos, bisnetos, trinetos, tataranetos
- Ascendentes: pais, avós, bisavós, trisavós, tataravós
- Cônjuge ou companheiro.
Já os herdeiros facultativos são: tios, sobrinhos, irmãos e outros que a lei determina.
Porém, isso não significa que todos os herdeiros listados terão direito à herança, porque existe uma ordem de preferência (entenda melhor a seguir).
Também existe a exceção a regra que, mesmo sendo um herdeiro necessário, ou seja, quem obrigatoriamente deve receber a herança, prevê a exclusão de um herdeiro por meio de uma ação judicial, no caso de crimes que os tornem “herdeiros indignos”.
Vamos entender um pouco sobre estas diferenças:
- Filhos
Filhos nunca ficam de fora da herança, exceto se forem deserdados ou considerados indignos. Eles podem ter de dividir a herança com o cônjuge em alguns casos, dependendo do regime de bens do casal. Também, netos e bisnetos também podem participar da divisão junto com os filhos. A divisão da herança entre os filhos é igualitária (salvo se a pessoa que morrer privilegiar um deles no testamento, respeitado o limite de 50% do patrimônio total).
Vale lembrar que não existe mais diferenciação entre filhos concebidos dentro ou fora do casamento. Também tem direito à herança o filho já concebido, que nasce depois que a pessoa morre. Se a gestação for interrompida ou o bebê nascer sem vida, não é levado em conta na divisão da herança.
É preciso lembrar que o dono dos bens pode fazer o testamento e deixar metade de seu patrimônio para quem quiser, mesmo que não sejam filhos. A prioridade dos filhos é para a parte que sobrar (50%), se houver testamento (vamos falar de testamento mais adiante).
- Netos e bisnetos
Para outros descendentes diretos (netos, bisnetos, trinetos tataranetos), existe o direito de representação. Isso significa que eles podem ficar com a parte da herança que caberia a um filho da pessoa que deixou herança. Por exemplo: Pedro morreu, mas um deles (José) morreu antes de João. José deixou duas filhas vivas, netas de João. Cada uma dessas netas terá direito a 1/2 da herança que caberia a Ricardo. Esse direito de representação se estende sem limite entre descendentes diretos, como bisnetos, trinetos e tataranetos.
- Genitores
Os pais só têm direito à herança se a pessoa falecida não deixar descendentes (filhos, netos). Eles têm que dividir parte do patrimônio com o cônjuge do falecido, independente do regime de bens que o casal mantinha.
- Avós, bisavós, trisavós e tataravós
Só têm direito a receber a herança se a pessoa que faleceu não deixou: Descendentes diretos (filhos, netos); Pais; Cônjuge ou companheiro.
Nesse caso, não existe direito de representação. Assim, o ascendente mais próximo exclui os mais distantes.
Pode parecer complicado inicialmente, mas não é. Por exemplo: um pai vai excluir um avô ou até mesmo bisavô da herança (exceto se o avô ou bisavô estiverem contemplados no testamento, dentro dos 50% que pode ser destinados livremente).
- Irmãos, sobrinhos, tios, primos e outros.
Esses parentes colaterais são considerados herdeiros facultativos, noutras palavras, a lei não obriga entregar a herança automaticamente para eles, como no caso de descendentes, ascendentes e cônjuge. Se eles não forem contemplados no testamento, só terão direito à herança caso os outros familiares listados acima já tenham falecido. Diferentemente dos herdeiros necessários, os herdeiros facultativos podem ser excluídos no testamento pela simples vontade do dono do patrimônio.
Isto significa que se uma pessoa que não for casada, não tiver filhos e seus pais já tenham falecido pode destinar sua herança, mesmo em sua totalidade para quem desejar, por meio de um testamento.
Agora, nesta parte final sobre herdeiros, caso a pessoa não tenha deixado testamento e não tenha nenhum herdeiro, toda a herança ficará com o município ou o Distrito Federal.
- Cônjuge
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que não existe diferença de herança para pessoas casadas ou em união estável. Por isso, a palavra “cônjuge” usada neste texto deve ser interpretada como marido, esposa, companheiro ou companheira.
Para saber se o cônjuge irá receber a herança, é preciso sempre saber qual é o regime de bens escolhido pelo casal. No caso mais comum que é a comunhão parcial de bens, o cônjuge já é metade de todo o patrimônio deixado pelo falecido, por isso ele não herda nada daqueles bens que já é dono.
O Código Civil estabelece, porém, algumas exceções que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário juntamente com os demais herdeiros, de todos os bens particulares do falecido. A lista de bens particulares, ou seja, aqueles que não entram na comunhão são:
I – Os bens que cada cônjuge possuir ao casar-se, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão;
II – Os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – As obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – Os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões ou outras rendas semelhantes.
Agora que já sabemos o que é herança e quem são os herdeiros, podemos avançar a explicação sobre como evitar eventuais disputas entre nossos entes queridos, após nossa partida.
- COMO EVITAR AS BRIGAS?
Como explicado até agora, a lei já previu exatamente como a partilha deverá ser feita, por isso, a porcentagem de cada herdeiro já tem um patamar definido. O maior problema e o motivo de tanta disputa normalmente residem no fato de que algum herdeiro se acha no direito de receber mais por ter cuidado dos pais por mais tempo (o que não existe na lei) ou quando o bem herdado é indivisível (imóvel, por exemplo) a há disputa sobre a parte de cada um ou o valor a ser vendido.
Para solucionar esse problema, recomendo uma destas duas ações: doação em vida ou testamento.
- Doação
A doação deve respeitar o quinhão (parte) de cada herdeiro, conforme indica o Código Civil. Assim, pode o autor da herança, caso tenha mais de um bem ou bens divisíveis, iniciar as doações ainda em vida, escolhendo como fará a divisão.
No caso de imóveis, a doação pode ser feita em cartório, com pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), que é, em geral, de 4% do valor do bem. Essa alíquota pode variar entre os estados da Federação. A família pode entrar em consenso, e o doador estabelecer o que cabe a cada um na divisão.
Para que continue a ter direito ao bem enquanto viver, há cláusulas que podem ser incluídas no contrato. Segue algumas recomendações:
- Inalienabilidade: Restrição que impede o herdeiro de vender o bem (quinhão) que recebeu;
- Impenhorabilidade: O bem doado fica protegido das dívidas contraídas pelo herdeiro, porém essa cláusula é passível de discussão na esfera judicial;
- Incomunicabilidade: Veda que o bem recebido através da doação se comunique com o cônjuge do herdeiro, seja qual for o regime de bens.
Também, é muito comum e prudente incluir a cláusula de Usufruto Vitalício, em que o doador permanece com a posse e a administração dos bens, recebendo, por exemplo, os aluguéis do imóvel até a sua morte. E após o falecimento o bem passa a ser do herdeiro, sem a necessidade de novo inventário.
A doação é uma ferramenta muito eficaz quando se pretende dividir aos poucos o patrimônio e se planejando para pagar os impostos de forma planejada.
- Testamento
O testamento é a forma mais completa de planejamento sucessório, porém envolve custos.
Pode ser feito por instrumento público em qualquer cartório de títulos e documentos, por exemplo. Lembrando que o testamento só é aberto depois da morte do testador. Os herdeiros, no entanto, podem ter acesso ao teor do documento, caso seja autorizado por quem fez o testamento.
A herança pode ser distribuída conforme a vontade da pessoa, dentro dos limites da lei. Lembrando que o testamento só pode dispor de 50% dos bens a serem divididos, vez que a outra metade obrigatoriamente deve ser destinada aos herdeiros necessários (descendentes ou cônjuge ou ascendentes).
O testamento, contudo, é passível de pedido de anulação por via judicial, caso herdeiro ou cônjuge sinta-se injustiçado ou prove alguma ilegalidade.
Em resumo, o testamento é um documento que vai garantir que a vontade do falecido seja cumprida após sua morte.
- CONCLUSÃO
Agora que você já sabe o que é uma herança, quem são os herdeiros e como se preparar para a divisão do seu patrimônio ainda em vida, seja por doação, seja pelo testamento, vale lembrar que as peculiaridades de cada caso exigem uma avaliação minuciosa por um advogado de sua confiança para que todo o seu planejamento não seja perdido por causa de uma nulidade ou erro na divisão dos bens.